horror e miséria

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Horripilante
16.6.04
Pitbull

Um qualquer arraial popular, algures no nosso país, noite quente de Junho, onze e trinta. Poucos velhos e quase nenhumas crianças. Os carrocéis foram deslocados. Noto que desapareceram as típicas barraquinhas de "matraquilhos" e outros jogos.
Um negro de boné branco "pede-me" um cigarro. Como não gostei do tom, recuso. O fulano desata a insultar-me, em voz baixa mas claramente perceptível; noto um sinal discreto a outro "pintas", que entretanto se aproximara; recuso de novo: "não dou tabaco, não vale a pena insistires".
O gang já estava entretanto composto, rapazolas brancos e negros, mais duas raparigas. Aproxima-se um outro negro, trazendo pela trela um "pitbull" castanho; pousa a trela no chão e pisa-a, ao deleve, apenas o suficiente para o bicho não se afastar. Evidentemente, o cão não estava açaimado, como manda a Lei em locais públicos. A não mais de dez metros, quatro agentes da autoridade em amena cavaqueira. Enquanto outro dos "pintas", nitidamente drogado ou embriagado, debita provocações, uma espreitadela por cima do ombro permite-me ver que pelo menos um dos agentes já se apercebeu de que poderia haver ali problema; julgo ter vislumbrado um olhar de relance desse agente para o cão; o polícia ri, volta as costas e retoma a conversa com os colegas.
Um dos feirantes esclarece-me: aquele é um dos grupos mais conhecidos pelas suas arruaças. Combatem ali, todos os anos, com grupos rivais. Daí a proibição de matraquilhos, por isso os carrocéis em zona mais protegida; evidentemente, percebe-se também porque desapareceram os velhos e as crianças.
Pelos vistos, este gang é agora o dono da feira, ao menos por este ano. A arma secreta deu-lhes toda a vantagem: ninguém se atreve a fazer frente a um "pitbull". Se, por hipótese académica, alguém tivesse de responder pela agressão do canídeo - treinado para filar e não largar - ninguém assumiria a responsabilidade, pelo simples facto de que o animal não tem legalmente qualquer dono. Do mesmo modo que aqueles que o alimentam e conservam nem identificação têm, quanto mais responsabilidade ou sequer existência jurídica.
Compreende-se a atitude dos "agentes da autoridade", e já todos observamos comportamentos semelhantes, nas situações mais diversas. Apenas por exemplo, lembro-me de, em tempos, ter ajudado um agente a procurar no chão os cartuchos das balas que tinha disparado contra um assaltante; é obrigatório entregá-los juntamente com o relatório da "ocorrência". A Lei portuguesa protege os criminosos, que têm todos os direitos, despreza a polícia, que tem por função escrever relatórios, e esquece as vítimas - que são sistematicamente culpadas por estarem no local errado à hora errada.
Evidentemente, os criminosos são muito amigos dos animais e, em especial, admiram a beleza e as qualidades sociabilizantes da raça Pitbull. O horripilante disto não é propriamente - ou apenas - o aspecto do animal e o animal em si mesmo; horrível é toda a gente saber para que servem os cães "de combate" e toda a gente fingir que não sabe.